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Celulares apreendidos em presídios para estudantes deve virar lei

Repasse de celulares apreendidos em presídios para estudantes deve virar lei federal

Por meio dos projetos, mais de 2.000 celulares já foram consertados e doados para alunos de baixa renda

Por Folhapress Publicado 26/11/2022 Foto: Divulgação

O sucesso de iniciativas que doam celulares usados em crimes para estudantes de escolas públicas inspirou um novo projeto de lei. Aprovada no dia 8 de novembro na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado (CSPCCO) da Câmara dos Deputados, a iniciativa propõe um sistema nacional para destinação escolar dos aparelhos.

Confiscados em presídios ou operações policiais, smartphones ficam retidos pelo Judiciário até virarem lixo no fim do processo penal. Por meio dos projetos Alquimia 2, do Ministério Público do Rio Grande do Sul e “Transforme”, de Mato Grosso do Sul, mais de 2.000 celulares já foram consertados e doados para alunos de baixa renda.O primeiro a entrar em operação foi projeto gaúcho. Em 2020, o promotor Fernando Andrade Alves, quando trabalhava em Osório (RS), a 94 km de Porto Alegre, notou que escolas da região estavam pedindo celulares por causa da pandemia e pensou em um projeto de doação para os celulares parados na comarca.Para tirar a ideia do papel, o promotor conseguiu financiamento da Vara de Execuções Criminais de Osório, além de apoio operacional do projeto social Dejone Rambor, da cidade vizinha de Tramandaí. No primeiro ano, o Alquimia 2 doou 120 celulares para alunos da região escolhidos pelas secretarias de Educação, diretores e professores.

O sucesso do projeto chamou atenção da chefia da Promotoria do Rio Grande do Sul, que decidiu institucionalizar a iniciativa. Em 2021, além de 30 promotorias adotarem a prática, o órgão firmou acordo com a PUC-RS para aumentar a capacidade de conserto. Hoje, o projeto consegue reaproveitar 20% dos celulares confiscados. O Alquimia 2 já entregou 1307 smartphones para alunos do RS. Outros 4.000 aparelhos esperam conserto nas universidades parceiras.“Estou entusiasmado de saber que um projeto que nasce no Ministério Público do Rio Grande do Sul, como iniciativa localizada numa comarca pequena, pode ganhar o Brasil”, disse Alves. Na avaliação do promotor, uma das grandes contribuições da iniciativa é desburocratizar o sistema de justiça. “No setor público, ‘tudo é não’. Mas, quando se tem energia para gastar, as ações acontecem”.O deputado federal Eduardo Bismarck (PDT-CE) é o autor do projeto de lei que quer nacionalizar as iniciativas de doações. Proposto em 2021, o documento, que tramita em caráter conclusivo -quando não há necessidade de votação no plenário-, foi enviado à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara neste mês. Segundo o deputado, além da preocupação com alunos sem internet durante as aulas remotas, houve inspiração nas iniciativas dos promotores para a apresentação da proposta.

“O projeto dá mecanismos, dentro do código de processo penal, para evitar que aparelhos apreendidos tenham tramitação burocrática na Justiça”, disse. “Mas vai depender da vontade das secretarias e dos governantes para que se torne um programa nacional”. Nos passos da iniciativa gaúcha, o projeto Transforme foi implantado em Mato Grosso do Sul em 2021. Elaborado pela promotora Jiskia Sandri Trentin, que atua na 50ª Promotoria de Justiça de Campo Grande (MS), a ação também queria angariar aparelhos para alunos da capital do estado durante a pandemia.Em parceria com Agência Estadual de Administração Penitenciária (AGEPEN) e universidades públicas e privadas, o Transforme recuperou 735 celulares, os quais foram entregues à Secretaria Municipal de Educação de Campo Grande para distribuir aos alunos. A promotora vê com satisfação que a iniciativa ganhou escala e pode virar lei. “Ações como a da Transforme são fáceis de se replicar em outras procuradorias no Brasil”, declarou. “Inclusive nos colocamos à disposição para colaborar no que for necessário, encaminhando nossa carta-projeto”.O deputado federal Eduardo Bismarck afirmou que o projeto de lei não vai resolver a desigualdade digital, mas pode ser complementação necessária. As iniciativas são fonte para conseguir aparelhos, ainda mais quando não há dinheiro para comprar novos. “O ideal seria que municípios e estados estivessem fazendo sua parte: comprando equipamentos e destinando aos alunos. Não só o equipamento, mas também a internet”, disse.

Para Fernando Cássio, professor de políticas educacionais da Universidade Federal do ABC, o projeto de doação tem valor na área de segurança pública e no reaproveitamento de material que seria descartado, mas não pode ser tratado como política pública educacional. “Quando pensamos em política educacional, estamos falando de educação de massas”, disse. “O Brasil tem cerca de 48 milhões de estudantes da educação básica. Políticas de inserção tecnológica vão muito além da doação de aparelhos”.Há o risco, segundo o pesquisador, de se superestimar o smartphone como instrumento para acessar a educação remota. “Ele pode ser instrumento relevante, mas depende da intencionalidade. Se não houver intenção, é fetiche pedagógico”.

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