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Base ou limbo? Treinadores explicam por que jovens são desperdiçados no brasil

A transição dos jogadores das categorias de base para o futebol profissional no Brasil sempre foi um tema delicado. Para muitos atletas, esse processo é um verdadeiro desafio, repleto de obstáculos estruturais, falta de planejamento dos clubes e, muitas vezes, impaciência da torcida. Dois treinadores que passaram pelas categorias de base e hoje trabalham no futebol profissional, Fernando Seabra e Fábio Matias, trouxeram reflexões importantes sobre essa realidade.

FALTA DE ESTRUTURA

Fernando Seabra, atual técnico do Red Bull Bragantino, conhece bem os desafios da formação de jogadores no Brasil. Com passagens por Corinthians, Santos, Athletico-PR e Cruzeiro, ele vê um grande problema na forma como os clubes lidam com os treinadores que vêm da base. Para ele, muitas vezes, esses profissionais são jogados em situações adversas, sem autonomia e sem um projeto definido.

Seabra cita o caso de Carlos Leiria, ex-treinador do sub-20 do Botafogo, que foi promovido ao profissional sem estrutura suficiente para desempenhar bem sua função. “Ele acabou sendo exposto ao invés de ser preparado, e aí depois o clube fica sem opção a não ser mandar ele embora, e a gente acaba desperdiçando um talento”, afirmou Seabra.

Esse problema também se reflete nos jogadores. Muitos são promovidos cedo ao profissional, mas sem espaço real no time principal. Isso cria um “limbo” em que o jovem não tem minutos em campo e também perde o ritmo de jogo por não atuar mais na base.

A REALIDADE DOS ENCOSTADOS

Fábio Matias, treinador que fez carreira na base e teve passagens por Internacional, Flamengo e Botafogo, também alerta para esse problema. Segundo ele, muitos jogadores acabam sendo apenas “sparrings” no profissional – ou seja, treinam com o elenco, mas não têm chances reais de jogar.

“O jogador de base fica no vazio. Muitas vezes o cara está no profissional, mas é o vigésimo terceiro ou vigésimo quarto jogador do elenco. Ele não tem que estar lá, ele tem que estar na base, para ser prioridade e ter rotina de treino”, destacou Matias.

Esse cenário leva à frustração dos jovens atletas, que não conseguem evoluir e muitas vezes são taxados de “não prontos” para o futebol profissional. Além disso, os clubes acabam desperdiçando talentos por não saberem como lidar com essa transição.

O PAPEL DO CLUBE

Outro fator importante para essa transição é a postura das torcidas e dos próprios clubes. Segundo Matias, a paciência do torcedor varia de time para time. “Se um menino de 16 anos for colocado no Santos, ele pode ter uns 12 jogos para mostrar seu valor. Em outros clubes, ele ganha dois ou três, e se não der certo, já é chamado de ‘bagre’”.

A falta de tempo para adaptação e crescimento do jogador reflete diretamente na dificuldade de revelar talentos. Clubes como Flamengo e Palmeiras, que investem pesado na base, conseguem dar mais espaço para alguns jovens. Mas em muitos times, o imediatismo e a pressão por resultados impedem que esse processo seja bem executado.

NOVA ONDA?

A trajetória de Fernando Seabra pode abrir portas para outros técnicos vindos da base. Ele salvou o Cruzeiro do rebaixamento no Brasileirão de 2023 e permaneceu no clube para 2024. Agora no Bragantino, ele é um dos poucos exemplos de treinadores que conseguiram espaço no futebol profissional após anos trabalhando na formação de jogadores.

A ascensão de Seabra pode criar uma tendência parecida com a dos treinadores portugueses no Brasil, que ganharam mais oportunidades após o sucesso de Jorge Jesus e Abel Ferreira. Se mais clubes apostarem em técnicos que conhecem bem o processo de formação, a transição base-profissional pode ser feita de maneira mais inteligente e estruturada.

NECESSIDADE DE MUDANÇA

O futebol brasileiro é um dos maiores formadores de talentos do mundo, mas a falta de um planejamento adequado para a transição dos jovens jogadores para o profissional ainda é um problema grave. O alerta de Fernando Seabra e Fábio Matias mostra que, se os clubes não mudarem suas posturas, continuarão desperdiçando atletas promissores e até treinadores talentosos.

É preciso dar mais tempo e estrutura para os jovens, criar um plano claro para sua evolução e, principalmente, mudar a cultura de impaciência dentro do futebol brasileiro. Só assim o país conseguirá aproveitar melhor seu enorme potencial de formação.

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