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Leilão do Estádio da Mogiana: fim de uma era em Campinas?

Por Caio Alves

Campinas, SP, 07 (AFI) – Um pedaço importante da história do futebol e da cidade de Campinas pode começar a desaparecer a partir desta terça-feira. O Cerecamp, também conhecido como estádio Doutor Horácio Antônio da Costa ou ainda Estádio da Mogiana, foi colocado a leilão pelo Governo do Estado de São Paulo, que acontece nesta terça-feira, a partir das 9h.

O espaço, localizado no bairro Guanabara, em Campinas (SP), conta com mais 26 mil metros quadrados e está interditado desde o começo de 2023 devido ao seu péssimo estado de conservação. O lance inicial foi definido em R$ 28,6 milhões. Mesmo com duplo tombamento, ainda fica a apreensão de qual finalidade será dada ao histórico local.

Estádio da Mogiana vai a leilão nesta terça-feira

EDGARD ARIANI – IDEALIZADOR DO ESTÁDIO

As linhas férreas pelo Brasil impulsionaram a criação de diversos clubes de futebol para o lazer dos trabalhadores das companhias. No caso de Campinas, foi fundado o Esporte Clube Mogiana em 1933. Já o seu estádio foi fundado em julho de 1940 e seu nome “Doutor Horácio Antônio Costa” se refere ao saudoso inspetor geral da Companhia Mogiana de Estrada de Ferro.

Entretanto, um nome pouco menos comentado, mas tido como o grande visionário da obra foi Edgard Ariani, como bem lembrou o pesquisador e escritor Genaro Campoy Scriptore em conversa com o Portal Futebol Interior.

“É um nome menos comentado, quase ninguém fala disso. O grande incentivador da obra foi Edgard Ariani, que era engenheiro da Companhia Mogiana e também presidente do Esporte Clube Mogiana. Tanto que Campinas o homenageou dando seu nome a uma Praça de Esportes”, lembrou Genaro.

A praça citada foi construída por Orestes Quércia em 11 de março de 1972. Recentemente, em 2022, sob gestão do prefeito Dário Saadi, o local foi revitalizado para atender uma comunidade de mais de 3 mil pessoas, que praticam ginástica, vôlei, handebol e
futsal.

Praça de Campinas leva nome de Edgard Ariani

VISITA DO ESPANHA FC É DOCUMENTADA POR JORNAL ‘A TRIBUNA’

Antes mesmo de sua inauguração oficial, o Estádio da Mogiana despertou atenção de outros clubes. Um deles foi o Espanha Futebol Clube, de Santos (SP), que havia feito uma temporada de 1939 no Paulista com algum brilhantismo e fez uma visita a Campinas em março de 1940 para conhecer as dependências do estádio.

O jornal ‘A Tribuna’, que enviou um correspondente junto com a delegação do Espanha FC, relatou o ‘verdadeiro carinho com que Edgard Ariani dirigiu tão importante obra’. A reportagem ainda elogiou a atenção dada para outros esportes, como atletismo, basquete, vôlei, natação e tênis, por exemplo.

Também deixou registrado que um dos principais objetivos de Edgard Ariani era de dar conforto aos seus jogadores. Até mesmo quartos independentes foram construídos para que jogadores casados morassem no local com suas famílias.

Mas os visitantes também foram bem tratados no Estádio da Mogiana. Os vestiários dos dois times foram feitos de forma que impedissem o acesso com o público geral. Árbitros também tinham vestiários próprios. Também havia espaço para que delegações dos times visitantes ficassem hospedados no local em vez de procurar hotéis ou pensões.

Jornal ‘A Tribuna’ de 1940

“UM ESTÁDIO COMO A CAPITAL NÃO TEM”

O Estádio da Mogiana era, na época, um dos mais completos em estrutura, perdendo para o Pacaembu, em São Paulo (SP), e São Januário, no Rio de Janeiro (RJ). Entretanto, a reportagem do jornal “A Tribuna” salientou que, mesmo perdendo para o Pacaembu, o estádio campineiro era mais bonito e confortável.

“O Estádio do EC Mogiana está construído de forma a ser, depois do Pacaembu, o mais completo no gênero em nosso estado. A própria capital não conta, em beleza arquitetônica e conforto, um estádio semelhante”, relatou.

A reportagem ainda elogiou as arquibancadas, bem como o espaço destinado à imprensa.

“O EC Mogiana, mercê do grande carinho e devotamento de seu presidente Edgard Ariani, cujo nome ficará gravado para sempre na história do esporte campineiro com essa grande obra, contará com o melhor estádio do estado, exceto o Pacaembu”, pontuou.

PRIMEIRO E ÚLTIMO JOGOS DO ESTÁDIO DA MOGIANA

O Estádio da Mogiana foi inaugurado em 15 de julho de 1940, com empate por 1 a 1 entre EC Mogiana e Uberaba Sport Club. O primeiro gol marcado do estádio foi pelo mineiro Gabardinho, enquanto o campineiro Jabá empatou a partida.

Além dos já citados itens de estrutura, uma das inovações estava no placar. Em vez de ser manual, com mudança das placas a cada gol, havia uma estrutura mecânica que permitia a atualização de forma rápida.

Entre idas e vindas no futebol profissional, o Esporte Clube Mogiana viveu o auge nos anos 1940, enfrentou crise financeira nos anos 1950 e retirou-se nos anos 60, quando as ferrovias
entraram em derrocada no Brasil.

O último jogo no profissional foi em 18 de outubro de 1959, quando perdeu por 2 a 1 para o Bragantino. Em 18 de novembro de 1969, já no amador, jogou contra o SC Corinthians de Campinas, vencendo por 1 a 0.

Cerimônia do jogo inaugural do Estádio da Mogiana. (Foto: Centro de Memória da Unicamp)

JOGOS NOTURNOS

O Estádio da Mogiana também ficou conhecido por ter o primeiro jogo noturno de Campinas, entre Mogiana e Corinthians, em 1946, às 21h de um sábado. Becão marcou para os campineiros, enquanto Baltazar fez um hat-trick para os paulistanos.

Também teve o primeiro dérbi campineiro noturno entre Guarani e Ponte Preta, em 1948, um dos dez dérbis disputados no estádio.

JOGOS ABERTOS DE 1945 E COPA DO MUNDO DE 1950

Em 1945, o estádio foi sede dos Jogos Abertos do Interior. Além disso, segundo o historiador e escritor Celso Franco de Oliveira Filho, o EC Mogiana telegrafou para a CBD, atual CBF, colocando à disposição toda sua estrutura para a Copa do Mundo de 1950 caso a entidade necessitasse.

OUTROS CLUBES UTILIZARAM O ESTÁDIO DA MOGIANA

Na década de 1980, Estádio Doutor Horácio Antônio da Costa foi a casa do Esporte Clube Gazeta, que disputou a antiga Terceira Divisão sob o comando de Peri Chaib, dirigente histórico de Campinas e ligado à Ponte Preta.

Entre 1998 e 2009, o Campinas Futebol Clube, dos ex-jogadores Careca e Edmar, reformou o local e mandou seus jogos até se transferir para Barueri.

Quando estava sediado em Campinas, o Red Bull Brasil tentou revitalizar o local, mas não foi possível. O projeto previa uma ampla reforma nas arquibancadas e modernização de vestiários, além da construção de toda uma infraestrutura, com salas de musculação, estudos e administrativas. Além da construção de um alojamento para atender garotos carentes.

Lá também seriam desenvolvidas atividades de futebol de base (formação de atletas) e o estádio seria utilizado para mandar os jogos do time de futebol dos Bulls, que alugavam o estádio Moisés Lucarelli para cumprir seus jogos oficiais junto à Federação Paulista de Futebol (FPF).

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ESTÁDIO DA MOGIANA TEM DUPLO TOMBAMENTO

Devido a sua importância para a cidade, o Estádio da Mogiana foi tombado em 2019 pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Campinas (Condepacc) e também passou a ser patrimônio histórico do estado em 2021.

Assim, na própria descrição do leilão é explicitado que “os projetos de intervenção no conjunto tombado deverão ter a prévia autorização do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat)”.

O pesquisador e escritor Genaro Campoy Scriptore, ouvido pelo Portal Futebol Interior, reforçou que a preservação da história é algo difícil não só em Campinas, como no Brasil.

“É um problema nosso, não só de Campinas, mas do Brasil. Preservar nossa história é fundamental, mas nossa cultura não enxerga dessa forma. É mais fácil demolir e construir algo novo. Construir sempre é mais fácil, agora reformar e manter a estrutura para que ela possa seguir sendo utilizada depende de investimentos, enquanto o poder público quer cortar gastos. Mas quem comprar terá que seguir o que está no tombamento. Na Europa e Estados Unidos, a maioria desses patrimônios são geridos por entidades que se reúnem e buscam financiamento”, exemplificou.

PRESIDENTE DA CÂMARA DETALHA DISCUSSÃO

Em contato com o Portal Futebol Interior, Luiz Rossini, presidente da Câmara de Vereadores de Campinas, afirmou que a situação do Estádio da Mogiana já foi alvo de discussão várias vezes, mas que todos concordam que ele não pode continuar do jeito que está.

Esse assunto já foi objeto de discussão na Câmara por diversas vezes, com diferentes opiniões entre os vereadores. Há os que defendem a manutenção do Estádio da Mogiana para a finalidade original por tratar-se de bem tombado. Há quem defenda a ideia de derrubar porque a construção está condenada pela Defesa Civil, e fazer uma arena multiuso para os times de Campinas. E também há quem defenda a implantação de um complexo de saúde no local, como já foi objeto de discussão no passado. O que todos concordam é que deixar do jeito que está não pode“, declarou Luiz Rossini.

DIRETRIZES DO CONDEPACC

No caso do tombamento municipal, estão incluídos o campo de futebol, as arquibancadas central e sudoeste, bem como a casa do administrador, além de várias outras diretrizes (listadas abaixo). Entretanto, há o receio de que, como a estrutura esteja condenada pela Defesa Civil, o tombamento possa até mesmo ser revisto.

  1. Preservar a guarita da entrada principal do Esporte Clube Mogiana, com todos os elementos que a compõem
  2. Preservar os guichês da bilheteria, as três aberturas e cinco metros do muro após a última abertura, no sentido av. Barão de Itapura
  3. Preservar o desenho da calçada, em pedra portuguesa, no limite do muro citado no item 2
  4. Preservar a arquibancada oeste, com seus elementos decorativos, no que tange à construção inicial (anos 1930)
  5. Preservar o campo de futebol
  6. Preservar a pista de atletismo em volta do campo de futebol
  7. Preservar as quatro torres de iluminação
  8. Preservar a Quadra de basquete/vôlei, com suas arquibancadas, tribuna e pisos
  9. Preservar o mirante, local da tribuna da imprensa
  10. Preservar os vestiários em suas fachadas, volumetria, elementos internos e cobertura — em relação à cobertura, futuros projetos devem levar em consideração que originalmente os vestiários eram cobertos com telha francesa
  11. Preservar a enfermaria em suas fachadas, volumetria e cobertura
  12. Preservar o local do campo de bocha e do bar